Derrick 
                      de KERCKHOVE (Toronto, julho de 1993 )
                    Diretor 
                      do Programa Marshall Mac Luhan da Universidade de Toronto.
                    Desde 
                      os anos 1970, quando encontrei Fred Forest na presença de 
                      Marshall Mac Luhan, que se interessava por sua prática artística, 
                      não parei mais de cruzar com ele; seja em São Paulo, Berlim, 
                      Salerno… ou ainda em seu próprio " Território" 
                      em Anserville ! Forest foi um dos primeiros a compreender que a mídia 
                      não se destina a ela mesma. Como se a eletricidade pudesse 
                      substituir a pintura, ou como se para Nam June Paik bastasse 
                      empilhar alguns aparelhos de televisão para fazer uma obra... 
                      O problema profundo que inspiram freqüentemente as produções 
                      de vídeo-arte e instalações utilizando as caixas ou os conteúdos 
                      do vídeo é, precisamente, que, na maior parte do tempo, 
                      o público é excluído da experiência. O mérito de Forest 
                      é ter sido um precursor no domínio de uma interatividade 
                      introduzida no campo da arte.
                    Em 
                      um primeiro momento, por meio da arte sociológica, tendo 
                      a participação do público; em um segundo, com a noção do 
                      dispositivo tecnológico, amplamente utilizado na Estética 
                      da Comunicação.
                    A sensibilidade de Forest 
                      não é plástica, mas preferencialmente neurológica. Antigo 
                      empregado dos Correios na Argélia, ele obteve com este trabalho 
                      um conhecimento empírico e intuitivo das redes. Em outro 
                      sentido, a obra do carteiro Forest é tão desconcertante 
                      quanto a do carteiro Cheval, mas é muito mais exigente. 
                      Cheval edifica sua casa como sonho, lugar fixo, refúgio 
                      para esquecer seus passeios postais. Forest não constrói 
                      seu universo com conchas, mas com os sons que elas contêm; 
                      os quais dizem fazer eco aos murmúrios do oceano.
                    Em 
                      Salerno (I), o eco do oceano eletrônico era ritmado pela 
                      tonalidade repetitiva e lancinante do telefone italiano. 
                      As campainhas nacionais têm “vozes” que lhes são próprias, 
                      que refletem, talvez, para cada país, um certo estado de 
                      espírito. O telefone canadense tem modulações burocráticas. 
                      Sete pequenas notas sintetizadas, precedidas por leves zumbidos 
                      que assinalam imperativamente que não se quer perder tempo. 
                      Alguns telefones de zonas rurais, em países longínquos (e 
                      cada vez mais raros...) demonstram, ao contrário, com sua 
                      languidez demorada, que dispõem-se de todo o tempo necessário... 
                      No momento da experiência de Forest, realizada em Salerno, 
                      utilizando de uma só vez a tele-difusão e a rede telefônica, 
                      éramos uns trinta participantes estupefatos pela dupla fascinação 
                      da tela catódica e a campainha encantatória do telefone. 
                      Os olhos fixos em uma tela durante uma emissão regional, 
                      na qual não se vê nada além de um aparelho telefônico, em 
                      primeiro plano, que toca! Sem dúvida, Forest, ao utilizar 
                      seu dispositivo, tinha como objetivo criar em nós um fenômeno 
                      de tensão que devia tentar produzir prazer, por seu próprio 
                      encerramento. Porém, Forest já tinha desaparecido da sala 
                      de performance, montando uma motocicleta que o levava pelos 
                      estúdios da TV. Com o toque do telefone de Salerno, como em tantas outras 
                      animações de sua invenção, Forest manipulava várias redes 
                      de interação: rede telefônica, televisual e rodoviária. 
                      A motocicleta, além de seu poderoso valor dramatúrgico e 
                      ritual servia também como instrumento e como paródia mecânica para os contatos eletrônicos. Ele 
                      mostrava assim, a superposição das eras eletrônicas e mecânicas... 
                      Sua pessoa física dirigia-se para onde sua presença “técnica” 
                      já estava virtualizada desde o início.
                    Como 
                      o Homem-Aranha, Forest havia tecido, habilidosamente, uma 
                      teia de aranha eletrônica. Fazendo isso, ele repetia o gesto 
                      do técnico ou do industrial que se equipa com um sistema 
                      apropriado às suas necessidades. Forest, ao lidar com um registro sensorial, endossava 
                      com esta demonstração o duplo papel de iniciador e de modelo. 
                      Ele se propunha como o ponto modular, módulo 
                      neuro-tecnológico, por onde passam as correlações técnicas 
                      e biológicas. Este papel modular é desempenhado por nós 
                      sem que nos demos conta, a cada vez que seguramos o telefone, 
                      que olhamos a televisão ou que escutamos o rádio, tornamo-nos 
                      automaticamente, o instrumento fisiológico de diversas interações técnicas destas poderosas 
                      ferramentas ambientais, que participam doravante da maneira 
                      mais íntima possível de nossa existência. O que podemos 
                      aprender com uma experiência  como a do toque do telefone 
                      de Salerno? Como funciona o telefone? A motocicleta? A televisão? 
                      Não, o que aprendemos é como estas diferentes extensões 
                      do nosso corpo e do nosso sistema nervoso estão coordenadas 
                      ao nosso uso. Acreditamos injustamente que somos os “conteúdos” 
                      deste ambiente técnico. Projetamos sobre o novo mundo eletrônico 
                      o quadro espaço-temporal que nos legou nossa tradição alfabetizada. 
                      O que Forest tenta nos fazer compreender, ao obrigar-nos 
                      a passar por experiências singulares, é que somos os “recipientes” 
                      desta mídia, da mesma maneira que contemos nosso próprio 
                      sistema nervoso e, tanto quanto possível, nossa própria 
                      psicologia.
                    Cada 
                      coisa, portanto, está mudando em nossa maneira de ser no 
                      mundo. A tarefa da arte é precisamente tirar-nos de nosso 
                      próprio torpor.
                    O 
                      que se entende por estética da comunicação é a expressão 
                      artística de um projeto: explorar os limites e as formas 
                      dos meios de comunicação em suas implicações psicológicas 
                      e sociais para introduzi-los na imagem que fazemos de nós 
                      mesmos. Evidentemente, não é preciso, para isto, se limitar 
                      ao fetichismo dos novos meios técnicos dos quais dispomos.
                    Entretanto, 
                      se a estética das comunicações tende à favorecer a exploração 
                      das mídias e, particularmente, das mídias eletrônicas mais 
                      que das tipográficas, é porque estas têm sempre algo de 
                      novo, de incompreendido, de não percebido. Além disso, são 
                      precisamente estas mídias que reintroduziram os problemas 
                      de estética, ou seja, de sensação e de percepção, em um 
                      universo ainda dominado pelos problemas de representação, 
                      de abstração e de conceituação. A escrita, isto deveria 
                      ser conhecido do início ao fim, “dessensorializou” e fragmentou a comunicação humana. É a única tecnologia 
                      da comunicação que atingiu este grau de abstração, exceção 
                      feita talvez, a algumas utilizações do computador que, guardadas 
                      as devidas proporções, é seu equivalente eletrificado. Todas 
                      as outras mídias começam dirigindo-se ao sentido antes de 
                      comunica-lo.
                    Com 
                      respeito à comunicação em geral e às novas técnicas em particular, 
                      o papel da arte não é episódico, mas central. Efetivamente, 
                      a tecnicidade destas mídias e sua utilização pelo mercado 
                      e pelo poder comportam finalidades que deixam apenas uma 
                      estreita margem de escolha às pessoas implicadas, os administradores 
                      e os administrados. Não existe jogo quando o que estaria 
                      em questão já foi resolvido.
                    O 
                      essencial é que o dispositivo seja organizado de tal maneira 
                      que ele consiga convidar os que estão envolvidas à perceber 
                      de outra forma os papéis e as funções dos meios manipulados, 
                      por eles mesmos ou por seus semelhantes, em circunstancias 
                      comuns. A estética da comunicação não é uma teoria, – apesar 
                      de algumas tentativas de reduzi-la a isto – é uma prática. 
                      Ela não produz objetos, mas agencia as relações. Ela inscreve-se 
                      em uma dimensão temporal, tanto no gesto quanto no reflexo 
                      pontual que este gesto dá à situação da qual ele é contemporâneo. 
                      O revelador é que a maior parte dos artistas da comunicação 
                      não tem freqüentemente, na realidade, nada a comunicar. 
                      Para eles, basta constituir redes e interações diversas 
                      de tal modo que o próprio utilizador seja encarregado do 
                      conteúdo. Existem dois princípios básicos que é preciso 
                      considerar para compreender esta estética nova; de uma parte, 
                      que o conteúdo real de suas obras e performances é o usuário 
                      da rede; de outra, que a galeria ou o museu ideal destas 
                      atividades artísticas é o espaço das ondas e das comunicações.
                    Um 
                      grande número de artistas, utilizando as novas tecnologias, 
                      pensa que mudamos. É isto que os interessa e que eles querem 
                      exprimir. Começamos a mudar muito rapidamente desde Cézanne. 
                      Fomos convidados por ele, e pelos que seguiram as vias de 
                      exploração que ele abriu, a mudar nossa maneira de ver as 
                      coisas. Com a pintura abstrata, percebemos que podíamos 
                      suscitar em nós mesmos estados de sensibilidade que não 
                      tinham quase nada em comum com a obra-prima da figuração. 
                      Não tínhamos mais tanta necessidade de significações para 
                      experimentar sensações e mesmo idéias. Podíamos passar ao 
                      largo de definições e explicações, sem perder o benefício 
                      de uma interação completa com a obra.
                    Ver 
                      de outra maneira? Sentir de outra maneira? Mas como? Não 
                      é minha intenção substituir o que traduz-se em Forest, em 
                      Rokeby ou em Roy Ascott. Tudo o que adianto aqui, releva 
                      do meu próprio sentimento sobre o que me aparece como urgente 
                      hoje em dia. É por isto que insisto e entrego-lhes o que, 
                      para mim, constitui os fundamentos de uma estética da comunicação. 
                      Acredito que esta forma de arte convida-nos a perceber o 
                      mundo como o centro de nossa esfera psicológica, globalmente, 
                      preferencialmente que de acordo com os fragmentos oferecidos 
                      a cada um de nós pelas circunstâncias individuais. Ela convida-nos 
                      a modificar nossa percepção, cognitiva sem dúvida, mas, 
                      sobretudo sensorial de nossa própria imagem e a consciência 
                      que temos, para estendê-la às dimensões que as novas mídias 
                      dão-nos acesso.
                    Nota
                    (I) 
                      Performance : " Célébration du Présent ", " 
                      ART-MEDIA ", Teatro Verdi, Salerno, Itália, 4 de maio 
                      de 1985.
                    Copyrights 
                      Fred Forest